Incontinência Anal: Avaliação Clínica Inicial e Índices de Gravidade

A continência às fezes depende da complexa coordenação anorretal que envolve o funcionamento neuromuscular do assoalho pélvico, dos esfíncteres anais e do reto, bem como da consistência das fezes e do trânsito intestinal 1 . A perda do equilíbrio entre estes fatores pode ocasionar a incontinência anal, associada a significativo impacto na qualidade de vida do paciente 2 . A incontinência anal pode ser definida como a perda anal involuntária de fezes, por ao menos um mês, em pessoa com desenvolvimento neuropsicomotor igual ou superior a quatro anos de idade3 . Caracteriza-se pela incapacidade de controlar o conteúdo intestinal em local e tempo socialmente adequados, ou pela impossibilidade de se adiar o estímulo evacuatório. Sua definição inclui, ainda, a eliminação involuntária dos gases intestinais 4 . Até 20% das mulheres com mais de 45 anos de idade apresentam episódios mensais de incontinência anal e até 9,5% têm, ao menos, um evento semanal 5 . A gravidade da incontinência fecal não apresenta correlação direta com o impacto sobre a qualidade de vida. Os principais aspectos afetados são a participação em atividades sociais, a saúde emocional e a frustração global 6 . As taxas de prevalência estimada estão disponíveis apenas para subconjuntos específicos da população e revelam uma grande variabilidade em função da metodologia e da população-alvo. A avaliação de pacientes em centros de saúde revelou a prevalência de 5,6% em pacientes ambulatoriais gerais, em oposição a 15,9% daquelas que buscaram consultas uroginecológicas 7 . Em pacientes institucionalizados, a prevalência da incontinência anal pode alcançar 50% 8 . Um vasto número de etiologias tem sido associado com o desenvolvimento da incontinência fecal, como as lesões traumáticas anorretoperineais, as condições degenerativas e funcionais, os tumores, as doenças inflamatórias e as malformações. As causas mais comuns, no entanto, são as traumáticas (parto, cirurgias colorretoanais), as neurogênicas (passado de esforço evacuatório crônico, esforço durante o parto, e várias doenças sistêmicas ou gastrointestinais) e as mistas (envolvendo mais de um mecanismo)9 .

A incontinência fecal é um distúrbio de avaliação muito complexa. Depende de minuciosa história clínica e exame físico e da realização dos exames complementares, como a retossigmoidoscopia rígida e flexível, a colonoscopia, a manometria anorretal, os estudos defecográficos, a eletromiografia do esfíncter externo do ânus, o tempo de latência do nervo pudendo e as avaliações ultrassonográficas e por ressonância magnética. Na anamnese, a adequada situação temporal dos episódios é fundamental, bem como sua evolução e intensidade. O paciente pode perceber ou não as perdas, que podem sem sensíveis ou insensíveis, respectivamente. A verificação da existência da urgência evacuatória e do tempo que o paciente consegue evitar a eliminação de gases e fezes auxilia na compreensão dos componentes voluntários da continência fecal. As perguntas relacionadas ao aparelho gastrointestinal, principalmente sobre os aspectos da motilidade digestiva são úteis – como nos pacientes com diarreia crônica. As avaliações de comorbidades e da história mórbida pregressa (e.g., cirurgias prévias) são importantes na determinação do diagnóstico diferencial. Tornam-se importantes, eventualmente, avaliações conjuntas de outras especialidades, como urologia, ginecologia, uroginecologia, neurologia, entre outros 10. O exame físico abdominoperineal orienta na necessidade e na seleção de exames complementares bem como auxilia na determinação etiológica e terapêutica. O exame proctológico deve constar de minuciosa inspeção anal e perianal, do estudo neurológico local, da palpação perianal e do toque retal, seguido de exames endoscópicos passíveis de serem realizados ambulatorialmente, como a anuscopia e a retossigmoidoscopia rígida 11.

 ÍNDICES DE GRAVIDADE DA INCONTINÊNCIA FECAL
 A utilização dos índices de gravidade de incontinência fecal existentes permite a estratificação da gravidade da incontinência; alguns permitem ainda a avaliação do impacto na qualidade de vida do paciente. Estes instrumentos auxiliam na escolha do tratamento, na avaliação do seu resultado e o seguimento dos tratamentos propostos 1 . Abaixo serão descritos os principais aspectos de alguns dos instrumentos mais utilizados na prática clínica e científica. Há várias escalas, índices e escores orientados à avaliação da incontinência anal, muitas apresentam características bastante similares. De forma ampla, destinamse à gradação das perdas de gases, fezes líquidas e sólidas. As variações ocorrem nas inclusões de aspectos como a dificuldade de higiene com necessidade do uso de protetores das vestes ou tampões, a urgência evacuatória, a presença de muco, a alteração na qualidade de vida e a utilização de medicações 12. A escala ideal deve se ajustar ao cotidiano dos médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e dos demais profissionais envolvidos no atendimento dos pacientes portadores de incontinência anal. Deve ser prática, de rápida execução e interpretação, orientando as condutas e tornando objetivas as informações do seguimento do tratamento. A validação científica de um índice está relacionada à sua reprodutibilidade, verificada pela avaliação intraobservadores e interobservadores. Um profissional, ao utilizar o instrumento de avaliação repetidamente, deve chegar a valores similares aos obtidos previamente dentro de um intervalo de confiança específico, se mantidas as mesmas condições, bem como outro pesquisador, ao utilizar o mesmo instrumento, deve também obter pontuações incluídas no intervalo de confiança considerado, respectivamente. O índice torna as informações subjetivas em dados objetivos, passíveis de comparação científica 13. O Incontinence Grading Scale, atualmente denominado Índice de Incontinência Fecal da Cleveland Clinic Florida e conhecido na América Latina como Índice de Incontinência Anal de Jorge-Wexner, é o mais frequentemente utilizado na prática clínica devido a sua simplicidade de uso e a avaliação também de aspectos relacionados à qualidade de vida. Avalia a perda de fezes sólidas, líquidas e dos gases intestinais, e ainda, a necessidade de utilização de alguma proteção perineal e a alteração global da qualidade de vida 9 . Com foco específico na qualidade de vida, Rockwood e colaboradores propõem o Fecal Incontinence Quality of Life Scale, validada para a língua portuguesa e para a população brasileira por Yusuf et al. em 2004. Permite a obtenção objetiva do impacto da incontinência anal no cotidiano dos pacientes, sob a perspectiva destes. Aborda aspectos fisiológicos e comportamentais – primários – e afetivos, sociais e cognitivos – secundários. É composta por 29 itens que avaliam quatro escalas: estilo de vida, comportamento, depressão e constrangimento 14. O Índice de Incontinência Fecal de St. Marks, proposto por Vaizey e colaboradores acrescenta ao Índice de Jorge-Wexner a capacidade de adiar a defecação por 15 minutos e a utilização de medicamentos antidiarreicos 12. A escala revisada de incontinência fecal – Revised Faecal Incontinence Scale desconsidera a incontinência aos flatos e inclui a perda fecal associada à disponibilidade de algum banheiro, retratando a urgência evacuatória e a capacidade de se adiar a evacuação e a necessidade da troca do vestuário devido às perdas, como referência à quantidade eliminada 15. O índice criado para estratificar a síndrome da ressecção colorretal anterior baixa em pacientes portadores de câncer colorretal – Low Anterior Ressection Syndrome Score - aborda 4 áreas associadas à síndrome: a incontinência anal, a evacuação obstruída, a urgência e a frequência evacuatórias. A urgência na evacuação foi demostrada como o fator mais forte na correlação com a qualidade de vida destes pacientes, recebendo a maior pontuação 16. Este índice no entanto é de importância questionável nos frequentes casos de incontinência anal passiva, com perdas após as evacuações, geralmente devidos à falhas do esfíncter interno do ânus. A Sociedade Internacional de Continência após revisão dos questionários relacionados à incontinência fecal considerou não haver índice formalmente indicado, entretanto não foi feito nesse estudo uma avaliação criteriosa da frequência do uso e da abrangência específica de cada índice esatudado4 . A recente revisão feita por Rusavy e colaboradores indica o Índice de Incontinência Fecal da Cleveland Clinic Florida (Jorge-Wexner) como o mais utilizado entre os coloproctologistas, os uroginecologistas, os cirurgiões gerais e do aparelho digestivo e outros profissionais que publicam nesta área. Estes dados podem ser avaliados na Tabela 1





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